domingo, 4 de dezembro de 2016

A Fibromialgia e Eu: Relatos de Uma Vida de Luta e Dor

'Estava eu completando 9 anos de idade. Ainda uma criança típica do início dos anos 90, um mundo sem internet, sem smartphones e cuja diversão eram brincar de bonecas e assistir televisão. A informação era bem menor e mais lenta, mas éramos felizes assim.

Mas o destino quis apressar minha puberdade. A Menarca, os pelos e os seios e um corpo de moça numa cabeça de criança. E foi quando tudo começou.

Meses depois, dores pelo corpo. Principalmente articulações de joelhos e cotovelos. Demorar a levantar da cama se tornou hábito, pois as dores impediam. Dias frios pioravam tudo. Até que um dia, após assistir um filme na TV, o pânico toma conta. Tento levantar, mas não consigo. A dor é muito intensa. Tento me apoiar nos braços e forçar meu corpo a se erguer. A dor se espalha da palma das mãos até os ombros. Não consigo me levantar. Uma menina de 9 anos que não consegue se levantar da cadeira. Imagine o pavor...  "E se eu nunca mais conseguir andar?"

Quase chorando, acordo minha mãe que dormiu no chão, perto do sofá, enquanto assistíamos o filme. Digo que não consigo levantar. Estou com febre e dor. Chego na emergência ainda com as pernas dobradas e o provável diagnóstico é "Febre Reumática". Baterias de exame descartam essa hipótese. As dores vem em ondas. Uns dias maiores, uns dias menores.

Passam-se os anos. Faço jazz e ballet. As crises são menos intensas, mas ainda afligem. Consultas com ortopedistas, reumatologistas, idas às emergências, exames e mais exames. Febre Reumática, Reumatismo, Lúpus. São nomes e hipóteses. Todos descartados. No olhar dos médicos, descrença. Será que minha cabeça está inventando essas dores? Elas são bem reais para mim. Mas os médicos não parecem acreditar.

20 anos se passam na incerteza. A dor já é companheira. Aprendo que na crise, o melhor a fazer é enfaixar a parte dolorida. Usar emplastros, pomadas e sprays. Alguns até de uso veterinário. A chamada "pomada da vaca". Consultas até no centro espírita. Rendendo boas piadas de "joelho meteorologista", pois anuncia a chuva quando o céu parece limpo. "Tira a roupa do varal Ana. Vai chover." "Vai nada. O céu tá limpo." Minutos depois, "eu falei...".

Até que um dia, uma médica clinica me traz um nome. Essa médica é minha mãe. Chega com o nome da "nova doença que muita gente está aparecendo com ela". FIBROMIALGIA. Pela primeira vez em 20 anos, minha doença tem um nome. Não era invenção da minha cabeça. Não era loucura. Não era mentira. Existe e atinge principalmente mulheres.

Eu sei, não tem cura. Será minha companhia até o fim dos meus dias. Uns dias com mais e outros com menos dores. Mas ela não me domina. Não é dona de mim. Não irá me castrar jamais. Não deixo de trabalhar, não deixo de sair e me divertir. Não deixo que ela me vença. Hoje eu sei quem ela é. Estudei tudo sobre ela. Ela não me engana. Umas batalhas ela até vence. Mas meu espírito, ela não terá jamais.

Muitas pessoas sofrem hoje do mesmo mal. A Fibromialgia é uma das causas da ansiedade e depressão de muitas mulheres nos tempos atuais. Que ainda sofrem com a descrença e com a falta de um diagnóstico rápido. Muitas se aposentam. Muitas não tem qualidade de vida. Não há cura, nem tratamento específico. Tudo é apenas paliativo. 

O diagnóstico é feito por exclusão. As causas são indeterminadas. O tratamento consiste apenas em controlar os sintomas. Meu cérebro faz isso comigo. Ele me prega essa peça. Ele manda sinais de dor, através dos meus neurônios e nervos, diretamente para o meu corpo. E será para sempre assim.

É uma luta diária. Alguns dias, parece que vamos perder. Que não faz sentido lutar. Que ela é mais forte. Mas o Sol chega e aquece. E a dor diminui. Eu vejo o sorriso de uma criança e brinco com ela. E a dor está lá. Mas não importa. Ela não tira a minha felicidade naquele momento. Eu toco violão e canto, estudo guitarra. Todo o meu corpo dói. Mas o amor pela música me faz continuar. Mais uma vez, a Fibro (como eu costumo chamar) é derrotada. Pq eu não desisti.

Assim é a vida de uma pessoa com Fibromialgia. Já se passaram 25 anos. Que venham 30, 40, 50. Enquanto houver vida, viverei. E ela estará sempre ali. Minha luta não termina. Mas ela não me vencerá.

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